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Conto - Blog Posts

4 years ago
Originalmente Feito Para Um Concurso De Contos Da Amazon, "É A Vida" Foi Revisto E Ampliado Há Pouco

Originalmente feito para um concurso de contos da Amazon, "É A Vida" foi revisto e ampliado há pouco tempo, retornando à proposta inicial. Para caber no limite de número de palavras do concurso, parte das referências originais foi cortada. __________ #Conto #FicçãoCientífica #BuracoNegro #WagnerRMS https://www.instagram.com/p/CB07RofjcRy/?igshid=1ddswawc3stns


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10 years ago

Sub Specie Aeternitatis, et secundum aliam rationem

Eis uma sátira ao apocalipse, um miniconto, contendo uma visão crítica mas bem-humorada sobre um criador e seu antagonista, dialogando uma filosofia chinfrim, sobre o que (eles acham que) importa, acima das cinzas do mundo.

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Pior que foi. Aos vinte e um dias, do décimo segundo mês, do ano de dois mil e doze após o suposto nascimento de Cristo (que realmente fez o melhor que pôde)... Ou foi antes? Ou depois? Ah, chá prá lá, o que importa é que esse papo rolou a partir do instante em que o planeta Terra enfrentou uma bela faxina geral...

— ENTÃO VAMU LÁ... AAAAPOCALIPSEEE... NOW! — E após o lampejo final, ELE continuou: — PRONTO. BEM, VOCÊ TINHA RAZÃO, FOI MELHOR MESMO ACABAR COM ESSA NOVELA. O QUE VAMOS EVOLUIR AGORA?

— outros primatas?

— NEM MORTO! E BARATAS É CLICHÊ! EU TAVA PENSANDO EM ALGAS. ALGAS SÃO PACATAS E GENTIS.

— e chaaaaa-atas.

— VAI PRO INFERNO, PALHAÇO.

— BEM, QUE TAL OS ANTÍLOPES?

— ahhhnnnnn, ha ha ha ha...

— CARACA, CARA, TÔ FALANDO SÉRIO!

—  ha ha ha ha ha ha!

— DÁ UMA IDÉIA, ENTÃO, Ô GÊNIO ABISSAL!

— quer mesmo saber o que eu acho? e, aliás, sempre achei...

— MANDA.

— deixa assim.

— ASSIM? MAS... MAS TÁ TUDO TÃO... MORTO... QUER DIZER, AINDA TEM UNS MICRÓBIOS, MAS...

— e daí? melhor assim, cara, sem brigas desnecessárias, sem aquelas imbecilidades de dar valor ao que não tem valor em si (tipo, dinheiro, dããã, eu te dou papel e você me dá tempo de sua vida, e nos matamos por isso). se liga, autoconsciência leva à inteligência, certo?

— CERTO.

— e a porcaria da inteligência serve pra quê, caaaara? pra não ser usada?!?!? eles tinham, e olha a bestagem sem tamanho que fizeram! deixa assim, arruma um pouco, põe um marzinho morto ali, uma cordilheirinha lá, faz um feng shui em tudo, sei lá, e deixa assim, mané.

— OLHA O RESPEITO! MAS... CARA, O QUE VAMOS FAZER ENTÃO? NADA?!?

— você não tem saído muito, não é?

— SAIR?

— cara, tem um universo lá fora! acorda, meu bróder, há tanta vida lá fora, e aqui dentrooooo sempre, como uma onda no mar, ha ha ha! ok, sai desse trono agora, vem!

— IR? QUE ISSO, CARA, EU NÃO POSSO, TEM TODA A CRIAÇÃO...

— ela se vira sozinha, rapá, agora o pior já passou. Vem, comigo.

— T-TAMO INDO AONDE?

— dificuldade com ironia e sutilezas emocionais, né? normal em nerds. péstenção, foi só a humanidade que foi pras... passear, meu sensível camarada. ainda tem mais coisas entre o céu e a terra, e nós podemos e vamos lá! vamos lá, na boa, tomar umas...

— BEM. OK. ACHO. E DEPOIS? QUER DIZER, A EXISTÊNCIA NÃO PODE SER SÓ ISSO... TIPO, TOOOMAAR UMAS E OUTRAS, E TAL...

— ao infinito, e além! vamu, caraca, issooooo, véio, um pé depois do outro. você vai se amarrar!!!!

To be continued...?


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10 years ago

Sob o Olhar da Eternidade (Parte 3)

Muito bom te reencontrar aqui, me presenteando com sua leitura! Milton agora enfrenta as consequêncis de sua descoberta, ou de sua loucura!

Leia a Parte 1 de "Sob o Olhar da Eternidade"

Leia a Parte 2 de "Sob o Olhar da Eternidade"

Nada, Além de uma Cobaia

Como era de se esperar, foi tudo muito rápido. Não havia sido um segurança que derrubara Rubens, mas um outro homem, sujeito com cara de gringo e de terno alinhado, talvez fosse um segurança sim, mais acima na hierarquia dos seguranças por ali, mas fosse o que fosse, Milton queria que isso se danasse. Steinberg só sabia que o cara vinha com a arma de choque em punho, para o lado dele, passando por cima de Castilho, estatelado no chão. Milton recuava, aterrorizado.

Um celular tocou baixinho, em algum lugar por ali, uma musiquinha conhecida.

Ambos, Steinberg e o sujeito de terno, pararam e ergueram as mãos, as que não estavam ocupadas, em direção ao próprio corpo, instintivamente buscando sacar e atender seus smartphones.

Olhavam um na direção do outro. Na verdade o cara de terno, muito sério, nunca tirou os olhos de Milton, desde que entrou na enfermaria, e este último estava era olhando a perna de Rubens, deitado abaixo do homem de terno, que se encolheu até o joelho quase tocar o queixo do físico. O elegante recém chegado percebeu que Steinberg olhava mais para baixo, e fez questão de que o sujeito encurralado visse a arma sob seu paletó, tocando-a, exibindo-a, enquanto parecia que estava prestes a dizer algo. Foi neste instante que o Doutor Lewroy deu o coice mais forte de sua vida nos testículos de alguém. Os olhos do cara de terno quase pularam fora das órbitas. A arma, por alguma razão, saltou de sob o paletó, e o homem dentro do paletó despencou com estardalhaço sobre a maca onde Milton havia estado desacordado. Steinberg, por puro reflexo, tinha se esquivado com um pequeno salto lateral. Então a maca, o terno, e seu dono, ficaram todos embaralhados e imóveis no chão.

Milton pegou a arma que jazia caída, ali perto, enfiou a pistola em sua pasta à tiracolo junto com o fotômetro, e foi saindo daquela enfermaria, agarrando Rubens, levantando-o, e o arrastando consigo. Não trocaram palavra, nem encontraram resistência dos seguranças, apenas bufaram e praguejaram juntos, enquanto saíam da parte da estação férrea destinada aos  funcionários, e, lição aprendida por Milton, que refreou o amigo quando este tentou disparar, caminharam rapidamente até desaparecerem na estação de metrô de superfície anexa. Foi só então que ambos sussurraram entre os dentes, começando por Steinberg:

— Eu já te disse, — havia impaciência em sua voz — um experimento internacional. Complicado de explicar assim. Deu errado, houve uma explosão, Iceberg, todo mundo já estava apagando as luzes quando você apareceu, e bateu de frente justo com a Alice!

— Quem é essa mulher? É gringa?

Rubens ainda estava tonto, e o metrô, também invariavelmente lotado, não ajudava. Enquanto tentava achar um lugar onde se agarrar, enquanto eram arrastados pelos transeuntes para dentro de uma composição que estava prestes a sair em direção ao Centro, o físico disse, seco:

— É. Gringa.

— Tem um português impecável.

Lewroy fez que sim. Estavam ele e Steinberg prensados contra a porta oposta àquela pela qual foram empurrados pela turba que invadiu aquele carro de metrô. Steinberg, subitamente, começou a sentir medo de que as pessoas comprimidas  contra ele acabassem disparando a pistola dentro de sua pasta, e tentou levantar a bolsa, sem sucesso, acima da cabeça, enquanto dizia, ainda em um murmúrio feroz:

— Então! Esse experimento tem haver com o tempo? Fala, Cabeça, que merda, talvez nós estivéssemos mortos agora se aquele filho da puta entrasse atirando.

— Não, cara, eu não acho que ele queria te matar. Provavelmente ele queria você vivo, como…

— Como o quê? Cobaia?

O silêncio de Rubens deixou Steinberg sentindo um profundo terror. Ele baixou os olhos, exausto, a cabeça doendo terrivelmente, e disse mais para si mesmo:

— Eu senti. Senti mesmo que algo diferente tinha acontecido comigo, quando ví as ondulações na xícara, as pessoas sentiram, só eu vi.

Com a cabeça como que girando, Milton comprimiu os olhos, forte, tentando respirar fundo, apesar de comprimido entre as pessoas do jeito que estava.

Com um tranco, o metrô parou na estação seguinte, uma lufada de ar entrou, fresca, e Steinberg sentiu um pequeno alívio na pressão à sua volta. Ergueu os olhos.

Estava só.

Viu as porta se fecharem e ficou procurando seu amigo de infância lá fora, imaginando se ele, que já havia dito querer ir embora da cidade, teria saltado na estação, mas não viu ninguém. O metrô disparava rápido, e as últimas pessoas vistas pelo vidro da porta se tornavam quase borrões indistintos, então talvez Rubens tivesse passado bem defronte seus olhos, mas Milton não o reconheceu, talvez… Mas, talvez… Apenas talvez… Ele lembrou da bela Alice, e da Navalha de Occam.

Talvez estivesse ficando louco mesmo.

As estações chegavam e partiam, e Steinberg se sentia cada vez mais exausto, desesperançado. Não sabia onde estava, sabia apenas que estava sob os alicerces da cidade, do Centro, todos os milhares de escritórios, onde se fazia de conta que se era civilizado, um teatro de sombras esperando a escuridão final, tudo isso estava sobre ele agora, que era um minúsculo Atlas, e as estações continuavam a vir e ir, desimportantes.

É, pensava, talvez seja isso, talvez cada um de nós estivesse louco. Isso explicaria muita coisa. Seus dentes apareceram sob os lábios, ele sorriu amargamente.

Foi quando lhe surgiu aquela sensação de estar sendo observado. Levantou a cabeça e seus olhos encontraram os olhos de um homem que ele conhecia de algum lugar… Subitamente se lembrou, o sujeito que iria encontrar com a irmã perdida há vinte anos, e que não sabia chegar ao Centro do Rio, e lhe perguntou se ia na direção certa, um dia, no trem. O camarada estava um pouco distante na massa de gente, e fez um sinal de “o.k.” com o polegar, havia reconhecido Milton, que por sua vez abriu a boca para perguntar pela irmã do sujeito, mas de repente se sentiu oprimido novamente, e se calou. Foram essas coincidências que o deixaram insano, que o fizeram mergulhar nesta angustiante sensação de que o mundo em torno dele havia enlouquecido. O homem que estava olhando para Milton pôs uma das mãos ao lado da boca, em concha, e gritou:

— Obrigado, cara!

Com um sorriso desanimado, Steinberg gritou de volta, em meio ao burburinho da turba enlatada ali:

— Sua irmã? Encontrou?

— Irmã? Que irmã? Sou eu! Do trem, da prova! Olha, consegui fazer aquela prova, tá ligado? Valeu!

Antes do agradecimento final Milton já havia baixado a cabeça de novo, e comprimido os olhos, que lacrimejavam. Um torvelinho de horror girava em seu peito, ele estava com algum problema no cérebro. Só podia. Tudo o que lhe aconteceu foi fantasia. Precisava de um médico, um psiquiatra. Foi quando algo cutucou sua costela, pois uma senhora obesa, que tentava chegar perto da porta de saída, o espremeu mais do que já estava, comprimindo sua pasta tiracolo contra seu flanco.

A arma!

Com um solavanco, o metrô parou em mais um estação, enquanto o campeão de Tetris tentava alcançar a prova de que ele Não havia alucinado.

A arma era real! Quase acotovelando os outros, Miltou conseguiu abrir, com dificuldade a bolsa, mas acabou escancarando-a, tão ansioso estava por algo em que se agarrar para provar a si mesmo que não estava alucinando. Um sujeito alto e careca que estava ombro a ombro com Steinberg viu a pistola pular dentro da pasta, e o dono da pasta agarrar a coronha dela, então o homem calvo começou e empurrar outras pessoas, tentando se afastar, enquanto exclamava:

— Meu Deus, uma arma!

— Senhor!

As vozes se multiplicavam em torno de Milton. Pessoas assustadas se acotovelando e levantando a voz.

— Porra, tem um cara armado!

— Sai!

— Senhor! — Steinberg finalmente reparou que este “senhor” era com ele. — Senhor, solte a arma!

Era uma mulher que tentava se achegar à Milton. Ela vinha empurrando as pessoas o mais cuidadosamente que podia, mas vinha inexoravelmente em direção dele, com ares de poucos amigos e com um uniforme preto de segurança do metrô. Steinberg estava começando a detestar seguranças!

Ele ergueu a arma. Não estava louco! Olhando em volta nervosamente, percebeu que por alguma razão que não poderia ser coincidência, aquele vagão continha mais três seguranças de farda escura que vinham também em sua direção,  cercando-o.

Um dos outros seguranças, homem, muito alto e largo como lutadores costumam ser, mantinha uma das mãos baixa, provavelmente já empunhando um cacetete ou coisa pior, enquanto já esticava  a outra mão, em garra, na direção de Steinberg, e dizia com voz firme:

— Calma. Calma, amigo.

Milton sabia que iria parar em outra sala sem janelas, e desta vez é pouco provável que escapasse do gringo de terno. Apontou a arma, hora para um, hora para outro dos seguranças! A mulher, a primeira a vir em sua direção, agitou uma das mãos para os colegas pararem, e começou  a falar para todos os passageiros:

— Todo mundo deita no chão. — Steinberg não pôde crer no que a segurança disse, e algumas pessoas, no meio daquele mar de gente prens, mas risos. ada, chegaram mesmo a rir. Risos nervosos, mas risos.

Apontando a arma para ela, Milton berrou, trêmulo:

— Você também! Todos vocês! Deitem no chão!

— Camarada… — Começou o segurança fortão, ao que Steinberg foi dizendo, com os olhos dardejando entre os seguranças e com a voz esganiçada de tão nervoso que ele estava:

— Escuta, porra. Eu só quero sair daqui. Essa arma não é minha. Deita na porra do chão, e eu não atiro em ninguém! E vocês primeiro! Os seguranças primeiro!

Todos os seguranças se abaixaram da melhor forma que conseguiram. O metrô havia parado em mais uma estação, e as portas se abriram.

— Agora os outros, os passageiros, por cima deles! Todo mundo se amontoando em cima dos seguranças! Vai! Vai! — Gritou Milton, sendo obedecido por todos, enquanto ele mesmo saltava do vagão e desatava a correr o mais rápido que conseguia.

Passou feito um meteoro pelas catracas, mantendo a pistola em punho mas oculta o melhor possível por sua pasta tiracolo. Subiu em disparada o passadiço curvo e ascendente da Estação Carioca, correu feito louco pela plataforma principal, em direção à saída do edifício Avenida Central, e escalou as escadas rolantes saltando de dois em dois degraus! Assim que saiu da estação do metrô, ele dobrou para esquerda, duas vezes, e, um pouco mais adiante, sem fôlego, parou e respirou fundo até se acalmar um pouco. Por alguma razão não havia ninguém perseguindo ele, devem ter visto que saiu da estação e deixaram o problema para que a polícia na rua se virasse com ele.

Sem perceber, ele havia dado uns poucos passos atrás, enquanto aspirava o ar ensolarado, vigiando se alguém o seguia, e, com uma olhadela para trás de si, para ver se não ia tropeçar em nada, se apoiou em um balcão de algum bar. Voltou a olhar em direção à saída do metrô, pronto para fugir se algum uniforme preto ou algum policial viesse em sua direção.

Foi então que um leve toque no braço o fez olhar para trás, agora mais ostensivamente, e ver a versão muito jovem e loira de dona Glória lhe passando uma fumegante xícara de café.

A Xícara, Novamente

Milton Steinberg se arrepiou todo, como se fosse a peça de porcelana uma víbora! Então ele olhou em torno, só percebendo naquele instante que estava na cafeteria, a mesma de ontem, de antes de ontem, de todos os dias! Olhou de novo para a xícara, pois logo a superfície do café vibraria, captando, com suas ondulações, a explosão distante, e tudo recomeçaria, de novo e de novo.

— O de sempre, senhor Milton. — Falou a atendente, sílaba a sílaba, do mesmo jeito, com o mesmo sorriso gentil.

Steinberg pegou a xícara como se ela fosse venenosa, e lembrou tarde demais que tinha uma arma nas mãos. Quando tentou aparar a xícara com a segunda mão, pois em sua mão trêmula o café ameaçava cair, Milton expôs a arma. A jovem atendente, consequentemente, viu a pistola na outra mão de Steinberg e foi recuando e repetindo sem parar:

— Ai meu Deus, ai meu Deus...

O homem armado arregalou os olhos, fitou a arma em sua mão como se a visse pela primeira vez, embora soubesse claramente como ela tinha ido parar lá, ele… Acreditava… Que havia tomado ela de um cara mal… Comprimiu e abriu os olhos, e com um movimento brusco da cabeça, relanceou em volta novamente, esticando a cara para fora da cafeteria, e foi então que ele viu homens uniformizados! Policiais, carcereiros! Encostados em uma viatura, não muito distantes dali, conversando soturnamente. Milton olhou de volta para a atendente, que, acuada, continuava rogando a Deus e a ele por misericórdia. Com um olhar de súplica, Milton apontou a pistola para a jovem, não para intimidá-la, mas, sem saber o que falar, sentindo-se imensamente envergonhado por assustar a moça. Mas ela entendeu como uma ameaça, se encolheu, se calando, chorando baixinho. Talvez, pensava Steinberg, suando e tremendo, seu cérebro chegando no limite diante de tudo aquilo, mesmo que ele atirasse nela, ela, no dia seguinte, voltaria, ou talvez a versão idosa dela. Milton sentia um nó na garganta, o peito oprimido, talvez tivesse que atirar, atirar em alguém… O sistema estava ali, em torno dele, novamente, novamente e novamente, cada parte agora eternamente corrupta do maldito sistema impelindo seu dedo no gatilho. Quantos Miltons o sistema matava por dia? Talvez fosse isso, tudo aquilo era para eliminá-lo, ele que parecia ser o único a saber que aquelas vinte e quatro horas eram sempre os mesmas. Talvez, de fato, a arma estivesse em suas mãos para Steinberg atirar em si mesmo, antes que fosse arrastado e trancado por toda a eternidade em uma cela (onde quer que ficasse, naquele dia eterno, jazeria para sempre).

— Nãããooo… — Murmurou ele, com o rosto contorcido de agonia. Suas lágrimas escorriam.

Na xícara, o café ondulou, rápida mas delicadamente, no mesmo instante em que Milton percebeu que seus carcereiros vinham correndo em sua direção, e em que ele foi levantando novamente a arma. Outros funcionários da cafeteria, vendo agora a pistola se erguendo, prestes a tirar a vida de alguém, começaram a fugir e gritar. A jovem do outro lado do balcão exibia as mãos espalmadas à frente de si mesma, que ela agitava no ar, como se estivesse negando algo, ou dando adeus à Milton. A boca da jovem, silenciosamente, repetia sem parar “não, não, não”…

E Milton Steinberg atirou. Duas vezes.

Mas não antes de se abaixar. A princípio ficou sem perceber claramente como a ideia lhe veio à cabeça, apenas pôs em prática, e no meio da ação entendeu o que estava fazendo, muito embora, em retrospecto, percebesse que foi, sim, premeditado. Estava lá, a ideia tão junta do agir, que ambas eram quase indistinguíveis.

Milton se abaixou rapidamente, antes que a pequena multidão de clientes e funcionários dispersasse. Os guardas, ele apostava, não tinham gravado sua fisionomia. Então, agachado, atirou para cima, torcendo para não ferir ninguém, e, ato contínuo, arremessou a arma numa reentrância por baixo do balcão. A princípio ele se estatelou no chão, como os outros faziam, por causa do terrível medo de balas perdidas que os moradores da dita cidade maravilhosa tinham, mas quando as pessoas perceberam que não haveria um terceiro tiro, e que começaram a se levantar e fugir, Milton fez o mesmo, mantendo as mãos se agitando no ar, vazias, como se ele fosse mais um transeunte em pânico.

Em um minuto estava andando a passos largos em direção à Cinelândia, e enquanto passava em frente ao que o povo da cidade chamava de uma decepção constante, e que as pessoas lá dentro chamavam de Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ele passou por uma moça bonita que, por um segundo, ele achou ser sua vizinha Rheny. Mas não, não era ela, era uma moça muito parecida, mas ruiva, gringa, até um tanto sardenta, que estendeu um smartphone na direção dele, mostrou-lhe uma credencial que ele não conseguiu ler, e fez um gesto amplo, sorrindo, e dizendo algo sobre a copa do mundo, perguntando coisas, como se fosse uma entrevista.

Milton ficou, por um instante, fascinado com a semelhança entre esta mulher estrangeira e a sua Rheny. Que… Coincidência desconcertante…

Com a gringa insistindo, e sem saber como responder melhor, ele fez que não, agitando cabeça e mãos. Deveria estar havendo uma copa do mundo no Brasil, sim, mas ele não tinha tempo para mais pão e circo. A repórter ruiva perseverou na tentativa de que ele a respondesse, e ele, então, apontou para o próprio rosto, sinalizando lágrimas imaginárias, com as pontas dos dedos riscando o rosto a partir de seus olhos para baixo, depois apontou para o Palácio Pedro Ernesto, a Câmara Municipal, e disse:

— Corrupção. Roubalheira. Traição à pátria. Todo o governo, política desmoralizada e falida! Sem alegria. — E, lembrando seu velho professor que havia caído em desgraça, arriscou: — We… We will only be happy in a country of graduates, not in a country of…

Milton não conseguiu atinar de como se dizia “chuteiras” em inglês, então tentou por um momento imitar com os dedos alguém chutando alguma coisa, e, sentindo-se ridículo e amargurado, desvencilhou-se da moça, que ainda tagarelava.

Steinberg se livrou dela e continuou a caminhar ligeiro, para longe dali, apressando o passo ainda mais quando se deu conta de quantos policiais rondavam naquela praça. A vigilância ferrenha devia ser por conta da própria Câmara Municipal, para evitar que a indignação do povo que ela deveria respeitar lhe rendesse umas pedradas. Seus ocupantes, que a profanavam por dentro diuturnamente com sua politicagem corrupta e amadora, acusavam sarcasticamente de vandalismo qualquer revolta popular que a atingisse por fora. Era agoniante para Milton pensar que aqueles inchados vermes lamurientos e devoradores das riquezas da cidade teriam um reinado eterno, e de agora para sempre nada mais poderia ser feito para arrancá-los de lá.

Mais à frente Steinberg se enfiou no primeiro ônibus que conseguiu achar. E enquanto a condução rodava, ele pensava na ruína em que sua vida havia se transformado. Seria preso. Preso eternamente. Isso se não virasse mesmo uma cobaia… Mordeu o lábio inferior até quase se ferir. Nada daquilo tinha que ser real, talvez tudo fosse alucinação. Não tinha certeza mais de nada, só de que o dia se repetia, essa era sua única, vasta, absoluta e sombria certeza.

Sentado em um dos bancos do ônibus, a cabeça apoiada no vidro da janela, seu olhar, úmido, cuja expressão foi mudando, de triste e desesperançado para raivoso e amargurado, subitamente ganhou foco.

Não, não, pensou ele, enxugando as lágrimas, essa não era sua única certeza. Milton tinha também a certeza de saber onde tudo aquilo começou, e onde os infindáveis dias repetidos… Ou sua loucura… Poderiam ter um fim.

Saltou do ônibus e tomou outro, começando a ir em direção à Urca.

Continua na próxima semana, não perca...

Leia a Parte 4, FINAL de "Sob o Olhar da Eternidade"

Comente aqui embaixo, participe! Milton está louco?


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10 years ago

Sob o Olhar da Eternidade (Parte 2)

Meus profundos agradecimentos àqueles que me deram a honra de me ler até aqui! Vamos em frente, neste texto um tanto crítico, outro tanto irônico, onde Milton, uma pessoa tão comum e tão desalentada pela realidade crua quanto muitos de nós, mergulha em um mundo de paranóia, ciência, e conspirações, tentando encontrar a si mesmo dentro de um prisão que ele crê eterna!

Leia a Parte 1 de "Sob o Olhar da Eternidade"

Qual a Probabilidade?

Milton comprou, à prestação, um fotômetro. O mais preciso que o Google conseguiu lhe indicar. Ajustou o aparelho, e começou, dia após dia… Ou melhor, nas repetições daquele dia, ele começou a tentar pegar o raio de luz que lhe cegava. Mas o Universo, como da hábito, não pretendia entregar seus segredos sem lutar, e as mesmas coincidências que o levavam a ser cegado pelo reflexo na cúpula de vidro agora o tiravam, diligentemente, do alvo.

— Você mora perto da minha casa, não? — Disse-lhe sua vizinha, subindo ao seu lado a escada rolante para a plataforma do trem, em Madureira, quando ele ia para o trabalho.

Era inacreditável, mas o fato de ele saber que o dia se repetia deveria estar causando flutuações mais intensas na realidade, pois lá estava, bem ao lado dele, a mulher que tanto o atraia, e que jamais havia percebido a existência de Milton, e agora não só estava a menos de um metro dele, mas também tomou a iniciativa de puxar assunto. Antes mesmo que ele pudesse responder, ela riu, sem jeito, e foi dizendo:

— Desculpe, não me entenda mal. Quero dizer… — Riu de novo, ainda mais sem graça. — Mas somos vizinhos, não somos?

— Você é muito lind… — Engolindo de volta o que tentou dizer em um ato falho, Milton engasgou ligeira mas visivelmente, tentando também consertar o dito: — Minha vizinha, sim, você é minha vizinha.

— Eu sabia! — Ela sorria. — Meu ônibus enguiçou, tive que pegar o trem. Não costumo fazer isso, mas como eu sei que você é um cara gentil, eu, meio louca, sei lá, perguntei antes de perceber que isso iria ficar estranho.

Milton comprou, à prestação, um fotômetro. O mais preciso que o Google conseguiu lhe indicar. Ajustou o aparelho, e começou, dia após dia… Ou melhor, nas repetições daquele dia, ele começou a tentar pegar o raio de luz que lhe cegava. Mas o Universo, como da hábito, não pretendia entregar seus segredos sem lutar, e as mesmas coincidências que o levavam a ser cegado pelo reflexo na cúpula de vidro agora o tiravam, diligentemente, do alvo.

— Você mora perto da minha casa, não? — Disse-lhe sua vizinha, subindo ao seu lado a escada rolante para a plataforma do trem, em Madureira, quando ele ia para o trabalho.

Era inacreditável, mas o fato de ele saber que o dia se repetia deveria estar causando flutuações mais intensas na realidade, pois lá estava, bem ao lado dele, a mulher que tanto o atraia, e que jamais havia percebido a existência de Milton, e agora não só estava a menos de um metro dele, mas também tomou a iniciativa de puxar assunto. Antes mesmo que ele pudesse responder, ela riu, sem jeito, e foi dizendo:

— Desculpe, não me entenda mal. Quero dizer… — Riu de novo, ainda mais sem graça. — Mas somos vizinhos, não somos?

— Você é muito lind… — Engolindo de volta o que tentou dizer em um ato falho, Milton engasgou ligeira mas visivelmente, tentando também consertar o dito: — Minha vizinha, sim, você é minha vizinha.

— Eu sabia! — Ela sorria. — Meu ônibus enguiçou, tive que pegar o trem. Não costumo fazer isso, mas como eu sei que você é um cara gentil, eu, meio louca, sei lá, perguntei antes de perceber que isso iria ficar estranho.

— Não ficou. Não, não ficou. Somos vizinhos, devemos nos conhecer. — A pasta tiracolo dele escorregou de seu ombro, e Milton a ajeitou. — Tudo anda tão louco, que é bom saber que pessoas conhecidas estão por perto… Ei, desculpe perguntar, mas como sabe que eu sou gentil?

— As pessoas falam. — Ela estava estonteante, arrumada para o trabalho, elegantemente e sutilmente sensual. Devia ser advogada, ou algo assim, ele pensava.

— Pessoas?

E dali em diante ficava fácil deduzir o por que fez ele não ter conseguido medir o reflexo luminoso, de novo. Na verdade ele nem lembrou do flash até chegar ao Centro do Rio. Sua vizinha, que se chamava Rheny Alencar Roussel, explicou a ele sobre como as senhoras da vizinhança, que gostavam dela pois todos os sábados Rheny jogava cartas com elas, haviam colocado Milton na lista de boas e más pessoas das redondezas, enquanto fofocavam inofensivamente entre si. Ele era uma das pessoas boas. Uma certa senhora do grupo, que Steinberg sempre achou que não gostava muito dele, o viu respondendo aos acenos de crianças dentro um ônibus que agitavam as mãozinhas nas janelas (quando acenam para você, é educado, ele achava, acenar de volta, especialmente quando se percebe a alegria inocente dos pequenos) em uma rua próxima, deixando-as risonhas e felizes.

Milton jamais imaginaria que ele pudesse estar em uma lista dessas, no lado das boas pessoas, e se sentiu feliz com aquilo. Tão feliz que, ao se despedir de Roussel, sem, no entanto, reunir coragem para pedir a ela um telefone ou algo assim, subitamente se deu conta de que havia esquecido de medir o reflexo luminoso!

Na tentativa seguinte, exatamente quando Milton levantava o fotômetro, um sujeito lhe disse que estava perdido, que precisava ir ao Centro mas que não sabia se estava indo na direção certa, pois era de fora do Rio, e estava ali para buscar uma irmã, que ele não via há quase vinte anos, e etc e tal, e pronto, lá se foi sua chance naquela manhã de medir o foco luminoso.

No dia posterior Steinberg estava tentando, dentro do vagão em movimento, acionar o aparelho de medição sem tirá-lo da bolsa, pois nos dias anteriores achou que os seguranças da linha férrea o estavam olhando torto, talvez estranhando que ele andasse apontando aquele aparelho para lá e para cá, enquanto o calibrava. Milton, portanto, passou a tirar o fotômetro só quando estava chegando perto do ponto onde a luz o atingia. Mas enquanto tentava acionar o aparelho que, por alguma razão misteriosa não queria ligar, ele foi abordado pelo pedinte ranzinza, que o cutucou com uma caneca, e disse:

— Qualquer dez centavos serve.

— Hein? Ah, sim. Eu não tenho.

— Você nunca tem.

Milton ficou olhando para o pedinte, um senhor de certa idade, sem saber o que dizer além de um xingamento, que, em verdade, ele preferia não dizer. Steinberg não era muito velho, mas era do tempo em que não se xingava tão levianamente quanto hoje em dia. Então, subitamente, o homem preso em um único dia se viu perguntando ao mais velho:

— Para quê o senhor quer dinheiro?

— Estudar.

— C-como? O que você disse?

— Isso que você ouviu, rapaz. Na verdade eu sempre explico, mas você é um daqueles muitos que não escutam, que não querem escutar, ou estendem a mão e deixam cair seus trocados aqui na caneca, — a peça de plástico se agitou e tilintou na mão dele — ou fingem que não me viram. Uns poucos me dizem um mais cortês não. Você sempre me diz não, mas pelo menos fala comigo.

— Me… Desculpe.

O velho deu de ombros e prosseguiu, animado em conversar:

— Lembra do cara que morava na rua e que estudou e passou para o concurso do Banco do Brasil?

— Ouvi falar…

— Pois é. Eu já fui professor, agora moro na rua, junto com outras pessoas em um buraco na estação de Madureira. Mas acho que posso sair dessa, seguindo o exemplo daquele homem, estudando.

— Professor? — Milton ficou com a impressão que conhecia o velho pedinte, e essa impressão deve ter transparecido em seu rosto, pois o outro foi dizendo:

— Sim, eu fui seu professor no ginásio. Eu nunca esqueço um rosto, eu acho que você era o… Rosemberg?

— Steinberg. Português? O senhor ensinava português?

— Estudos sociais.

— Como? Quero dizer, como isso aconteceu, professor?

— A profissão já não tem muito prestígio no país no futuro, sabe como é. O país das desgastadas chuteiras tem tudo para ser o país dos diplomas, mas não é. — Seu sorriso não desapareceu, mas seus olhos expressavam mágoa, quando completou: — E, cá entre nós, convenhamos, droga só pode chegar tão fácil na mão da gente com a conivência, ou coisa pior, dos governantes, certo?

Milton, agora, foi quem deu de ombros. Aquilo era uma coisa que todo mundo sabia, política e marginalidade no Brasil eram quase sempre a mesma coisa. Steinberg fez uma cara triste. Achava que lembrava, vagamente, do professor, e ele era um cara que ensinava legal, sempre risonho, parecia gostar muito de lecionar.

Steinberg se atrasou para o trabalho naquele dia. Ele e seu antigo mestre comeram juntos na mesma cafeteria que Milton sempre frequentava, e o professor viu a xícara de café vibrar e o líquido preto dentro dela se preencher de ondas concêntricas!

— O senhor viu isso? Viu só?

Ele tentou explicar ao idoso professor que aquilo acontecia diariamente, e não teve certeza se o cara entendeu que algo inusitado estava acontecendo. Depois disso Milton passou em uma livraria com seu antigo mestre, que sonhava em voltar a estudar, e quase estourou o que restava do limite do seu cartão de crédito, comprando apostilas e livros para o sujeito, cujo rosto se iluminou, ele tinha uma chance! Em uma LAN house, Steinberg fez um perfil no Facebook para o sem teto, anotou os dados em um dos livros que haviam comprado, e fez o cara prometer que, quando superasse aquela época difícil, após passar no concurso, iria fazer contato com ele. Milton sabia que isso não aconteceria, pois nunca mais haveria amanhã, mas, caramba, justamente por isso, dane-se! Deu algum dinheiro para o sujeito, e se despediu dele. O velho professor ficou tão feliz que Milton só lembrou do flash luminoso no dia seguinte.

Mais um dia e Steinberg estava, de novo, no vagão, e conseguiu, com algum esforço, chegar à exata posição onde, ele já estava cansado de saber, o raio de luz o atingia. Mas assim que chegou lá, tossiu. Um sujeito de terno e gravata, com aparência de executivo, parecia ter passado a noite anterior dentro de um grande tonel cheio de perfume! Se ao invés de cheiro o camarada estivesse exalando fogo, o trem inteiro teria explodido e estaria ardendo em chamas! Era quase insuportável, mas, desta vez, Milton estava decidido a não deixar nada, de jeito nenhum, impedir que ele fizesse a medição da luz. Fincou pé em sua posição e armou o fotômetro assim que o trem parou na estação logo antes de onde ele sabia que o raio luminoso costumava aparecer. Em cerca de dois minutos o flash espocaria da cúpula de vidro do templo religioso, mas não atingiria seus olhos, e sim o sensor do fotômetro.

Houve um certo tumulto, na estação em que o trem havia parado, um burburinho, algumas pessoas correndo, e Steinberg ouviu, em algum lugar, a palavra “assalto”, mas não houve uma explosão de gente em fuga, o que pareceu indicar que tudo havia passado. As portas da composição se fecharam, ele apertou o sensor luminoso na mão direita, enquanto a esquerda segurava firmemente a barra de metal acima dele, que servia para que as pessoas entulhadas ali dentro se mantivessem de pé, para caberem mais dos ditos dignos trabalhadores por metro cúbico.

Steinberg olhou furtivamente em volta de si, e não viu nenhuma pessoa conhecida, ergueu o aparelho, pondo ele em frente ao rosto e… Seu telefone tocou. Ele ignorou. Alguém dentro do vagão gritou alguma coisa. Ele ignorou.

A qualquer instante a luz iria espocar!

Mas antes disso, alguém esbarrou nele, se levantando de um dos assentos à frente, abarrotados de pessoas, como quem quer fugir, sair de perto dele, e Milton percebeu, de canto de olho e depois olhando diretamente, que dois seguranças, com bonés e coletes de cores berrantes, vinham em sua direção, olhando-o com raiva!

— Larga esse troço! — Um deles gritou, enquanto o outro levantava um cassetete.

Milton, que sabia o quão bem treinados eram esses tipos de profissionais no seu país, desatou a correr, claro. Ou melhor, tentou correr no engavetamento de gente que era o vagão balouçante de trem naquele momento da manhã.

Um agressivo estalo elétrico o fez perceber que alguém, certamente um dos seguranças, empunhara uma arma de choque, e instintivamente Steinberg começou a empurrar as pessoas, como o afogado que empurra a água tentando respirar! Em algum lugar seu celular tocava sem parar, ele nem se dava conta, enquanto lutava para escapar. Ele chegou ao fim do vagão e atravessou o acesso que havia entre as composições acotovelando quem estivesse pela frente. Milton chegou a levar um soco desengonçado de alguém, mas estava com a adrenalina tão alta, que mal sentiu o fraco golpe, enquanto ouvia os gritos cada vez mais selvagens dos dois seguranças, que praguejavam e xingavam Steinberg, as pessoas que atrapalhavam a perseguição, maldizendo tudo, até o mundo que era uma merda! Corriam aos tropeções, os três, enquanto as pessoas faziam o possível para sair do caminho, quando Milton bateu contra a parede no fim daquela composição, não havia acesso à próxima composição, não havia mais para onde ir. A não ser para fora! Então, empurrando as pessoas que, apavoradas, se contorciam para escapar, ele se esgueirou até a lateral onde estava a saída, agora fechada, segurou a borracha carcomida entre as duas abas da porta do vagão, enfiando ali os dedos e agarrando essas abas com os cotovelos apontados para os lados, e fez força para abrí-las. Forçou uma, duas vezes. Os seguranças cada vez mais próximos. Novamente Steinberg forçou as portas, que cederam, relutantemente no começo, mas se escancarando devido a má conservação no final! A ventania entrava, visto o trem estar em plena velocidade, e Milton parou no limiar da porta aberta, olhando o chão de brita correr abaixo. Virou o rosto, viu que o trem se aproximava de mais uma estação, logo iria desacelerar, se ao menos conseguisse atrasar os seguranças, pensou. E imediatamente se deu conta dos camelôs que pululavam entre os passageiros, sempre tentando vender seus produtos no meio daquele sufoco, pagando propina sempre para os seguranças da linha férrea, mas não raro perdendo tudo que tinham para os caras, quando estes resolviam fingir trabalho para seus superiores. Milton gritou:

— Meganha! Segura os meganhas! — Usando gíria que, em suas infindáveis viagens de trem, ouviu os camelôs usando.

Alguém, para sorte de Steinberg, perdeu o senso de perigo e resolveu agir, pondo uma perna bem no caminho do segurança que já estava quase alcançando Milton, e o cara desabou no chão, seguido do colega. A arma de choque deve ter disparado, pois ouviram-se gritos e estalos elétricos. No tumulto que se seguiu, o trem já estava quase parando na estação, e Steinberg desceu correndo, o fotômetro ainda na mão, esquecido. Girando no próprio eixo, ele percebeu que estava na estação ao lado da Quinta da Boa Vista! Poderia correr para o metrô, e desaparecer por lá. Subiu as escadarias correndo, e talvez tenha sido esse o seu erro ingênuo, pois assim que os seguranças que o perseguiram dentro do trem começaram a berrar (deveria haver um rádio quebrado em algum lugar, um monte deles para os seguranças, os quais a corrupção endêmica brasileira não deixava serem consertados nunca) outros seguranças vieram correndo de cima, e se atiraram sobre Milton, o único cara que parecia fugir, pois estava em disparada. Steinberg foi derrubado, rolando escada abaixo e batendo a cabeça.

Escuridão.

Pobre Homem Louco

Milton despertou numa espécia de enfermaria sem janelas. A porta estava aberta, ele pôde ver assim que se levantou da maca em que havia estado. E assim que ele fez isso, por esta porta entraram os dois seguranças que o haviam perseguido, seguidos de ninguém menos que Rubens, que foi dizendo:

— Foi bom ele acordar, significa que ninguém aqui vai se encrencar.

— Ele é que tá encrencado, chefia. — Disse um dos seguranças, cujo crachá Milton se esforçava mas ainda não conseguia ler.

— Ah, colega, quê isso?

E o Doutor Castilho se aproximou do segurança, despretencioso mas sério, e continuou, em um quase sussurro:

— Olha para o meu amigo. Ele está tendo uma crise, um atque de ansiedade. — e falando em um tom ainda mais baixo: — O pobre homem está louco, passando por muita coisa, não feriu ninguém além dele mesmo. Vamos esquecer isso tudo.

Milton, cuja cabeça latejava, conseguiu ouvir o murmúrio, e fez cara de quem não gostou, mas um instante depois sua expressão mudou. Estaria mesmo louco? Seria tudo aquilo imaginação dele? A certeza que tinha dentro de si, de que o mesmo dia se repetira eternamente, era pétrea, mas sua vida estava começando a ficar tão louca com aquilo, que a certeza de que ele próprio era uma pessoa sã já não era tão forte. Lembrou da Navalha de Occam, de Alice, e se calou, apenas observando enquanto Rubens conversava com os outros homens. O segurança com quem Lewroy iniciou a conversa, em certo momento, fez que sim com a cabeça, e disse:

— Está bem, doutor. Todo mundo tem seu dia de cão. É tanta sacanagem, violência e roubo que tá todo mundo com os nervos estourando.

— É mesmo. Tudo anda tão desanimador. — Concordou Rubens.

— É isso mesmo. A gente parece que tem acesso a mais informação, tipo pela Internet, mas fica sabendo que político tudo é bandido, que copa do mundo é tudo armação, que a vida podia ser bem melhor, mas se depender de quem manda, nunca será, que acaba ficando meio louco.

O outro segurança, mais calado, apenas balançou a cabeça, concordando. O primeiro segurança, mais falante, ficou um momento em silêncio, olhando para Milton, que ainda massageava a própria nuca, e então o sujeito disse:

— A gente também anda cansado. Confundimos ele com ladrão… Faz o seguinte, espera aqui que eu vou avisar a chefia e logo depois liberamos vocês, tá bem?

Lewroy abriu os braços e meneou a cabeça, dizendo simplesmente:

— Obrigado, caras.

Ambos os seguranças se foram.

Milton, constrangido, inseguro quanto a sua própria sanidade, já ia agradecer à Rubens, e perguntar como ele o encontrou, quando Lewroy o agarrou pelos ombros, o fitou olho no olho, a menos de um palmo de distância do seu rosto, e disse, num sussurro, quase selvagem:

— Milton! Escuta, cara! Alice, ela sabe de alguma coisa sobre um projeto que eu e ela participamos, e que eu não sei. Tem haver com o que você apareceu lá no meu trabalho.

— Q-que projeto?

— Uma iniciativa internacional, um experimento prático, que foi levado a cabo há alguns dias. Não interessa, só me escuta: fica longe, muito longe da Urca e da Alice, está bem? Acho que é perigoso, cara, eu tô dando um tempo, vou sair do Rio.

— Como você me achou?

— O Clinton é um amigo meu, Federal. Seu celular. Agora levanta, vem, nem vamos esperar os seguranças, não podem nos manter em cárcere, é ilegal. Vamos, eu te ajudo. Ah, toma isso, estava contigo e eles me devolveram, eu expliquei que é inofensivo, apenas um fotômetro.

Se pondo de pé, e pegando o aparelho das mãos do amigo, Steinberg fez um sinal de que podia andar sozinho, quando o outro tentou apoiá-lo. Apanhou também sua pasta tiracolo, que estava nos pés da maca, a pôs no ombro, e seguiu Rubens, que saiu na frente, mas assim que o físico pôs um pé fora da claustrofóbica enfermaria, este levou a descarga de uma arma de choque, Milton viu o clarão e ouviu o som inconfundível!

Enquanto seu amigo físico desabava no chão, os olhos de Steinberg se arregalavam! Estava encurralado!

Continua na próxima semana, não perca...

Leia a Parte 3 de "Sob o Olhar da Eternidade"

Comente, participe! Milton está louco?


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11 years ago

Quietude - Parte 2

A segunda e última parte do conto que fiz quando entrei para a Real Sociedade dos Escritores Fantasmas. Se curtiram, participem! Usem os comentários aqui, ou lá na Fanpage, e escrevam suas opiniões, elas serão muito bem-vindas!

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Ludmila entrou no imenso pavilhão do Riocentro mostrando seu crachá, e, em seu português fluente, foi dizendo aos seguranças armados de fuzis:

— Jornal Die Welt, Alemanha. Tenho acesso aos debates principais.

O Scan de retina a identificou, e ela pôde passar. O caminho até o Riocentro foi tranqüilo, e ela pôde ver a maravilhosa exuberância do Rio enquanto seguia até o antigo centro de convenções. Depois que se tornou Estado Americano, a cidade era um gigantesco e arborizado conjunto habitacional, cheio de pracinhas delicadas, floridas, onde crianças brincavam. Sem balas perdidas, sem favelas, e muito em breve, o país todo sem nenhuma soberania. Ludmila tinha olhos ainda mais tristes, diante do pensamento. O Rio de Janeiro era um show-room montado pelo ocidente para o oriente.

No meio do burburinho, com toda aquela gente de mídia já saindo das salas de imprensa e indo para o imenso salão de debates, a fotógrafa ouviu uma voz conhecida:

— Lu! Lu, aqui! — Acenava para ela um seu colega fotógrafo, o Moura, que ela conheceu em sua passagem por São Paulo há uns anos, e antes fôra Eduardo Moura Júnior, e agora é um bastante próximo (o mais possível, para ela) o Moura — Venha, querida, temos cadeiras bem lá na frente.

Ludmila agora sorriu, docemente, acenando quase alegremente para o rapaz, talvez por causa das pílulas azuis, talvez por ver esperança no Moura e em seu sorriso franco, talvez por nenhum motivo especial. Mas era justamente aquilo que queria ouvir do Moura: que ele havia conseguido para ambos uma vista privilegiada do maior evento histórico daquela década: a discussão que traçaria metas para o fim das guerrilhas. Ela sonhava há muito tempo com este dia, o fim de todos os atentados.

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Ahmed chegou e seguiu pela passagem diplomática, onde, curiosamente, fizeram uma revista bem superficial que pouco o atrasou, e então foi recepcionado por outros chanceleres, seguiu todo protocolo, mas pediu que um homem de sua confiança verificasse e o avisasse quando todos os presidentes estivessem reunidos com suas comitivas dentro do Riocentro. Cerca de uma hora e meia depois, todos estavam presentes, sendo a última a chegar a vice-presidente americana Thierstein. O próprio presidente McAnderson estava muito indisposto, e ficou no hotel em Copacabana, foi o que informou seu homem de confiança a Ahmed.

Todos os líderes mundiais então tomaram seus lugares, que formavam uma meia-lua de vários níveis, no grande palco, deixando os políticos de frente para a platéia formada em sua maioria por jornalistas e personalidades. Thierstein começou a falar ao microfone, em um límpido português de Moçambique:

— Esta é uma noite histórica… — E imediatamente ela foi interrompida por aplausos entusiasmados de toda a platéia.

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Ludmila sentou-se na primeira fila. Ela tinha a impressão que o cavalheiresco Moura a estava cantando, novamente, talvez quisesse mesmo tomar uns drinques com ela, depois de tudo. Ela sorriu novamente, agora sem jeito, diante das perspectivas. Foi quando os líderes entraram em cena, e tomaram seus lugares. Ela, e dezenas de outros fotógrafos começaram a enviar fotos e filmes via Internet imediatamente para seus jornais. Sob a miríade de flashes, a vice-presidente americana se ergueu, bela e elegante como sempre, com seus 74 anos, e começou a falar, mas logo sua voz foi coberta pela entusiástica reação da platéia. A própria Ludmila aplaudia intensamente. Foi quando Mhd Ahmed se levantou.

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Mhd Ahmed Qanbar disparou.

— Com licença, senhora vice-presidente, mas eu preciso da atenção de todos agora! — Disse ele, levantando ambas as mãos para o céu, e só continuando quando todos os olhares se voltaram para ele: — Acabo de enviar aos aparelhos de todos os presentes, planos dos EUA para o uso de uma nova arma, já operacional, no Oriente Médio. Esta arma produz um pulso orgânico-energético a partir do corpo de um soldado, e este pulso é capaz de destruir completamente qualquer organismo vivo em um raio de 1000 quilômetros! Com alguns homens-bomba estrategicamente posicionados, todo o Oriente Médio, e talvez o mundo, fica a mercê dos EUA! — gritava a plenos pulmões o homem que não disparou os explosivos sob sua responsabilidade nos atentados em Madri. — Vejam os documentos, e acessem os satélites nos endereços anexados! Verão as fábricas que desenvolveram o que eles chamaram de Projeto Jihad!

Os repórteres se acumulavam diante do palco, fotografando, gritando perguntas, se acotovelando, enquanto os líderes mundiais acessavam os dados e demonstravam claramente seu horror diante da nova arma americana. Havia de tudo, inclusive documentos assinados com a chave criptográfica mundial da Casa Branca, as provas eram fartas e contundentes. Tanto que a vice-presidente começava a ser acompanhada para fora do salão por seguranças de seu governo.

— Isso precisa acabar! — Gritava Ahmed — Quantos mais vão morrer por causa da ganância capitalista? A liberdade americana custa sangue! O solo Americano é banhado do sangue do mundo!

— Nós fizemos sim! — Gritou a vice-presidente, em seu estilo decidido, desvencilhando-se de seus agentes, homens e mulheres em ternos negros — Mas porque não suportaríamos mais outro Dia Onze. Quantos houve desde 2001, Ahmed? Quantas vidas e quanto sangue Laden bebeu para se satisfazer? Achamos que nunca teríamos um homem como você na liderança de seu povo, precisávamos ter um modo de dar fim às mortes!

— Destruindo todo o oriente médio!?! — Vociferou Mhd Ahmed.

— Não! — Gritava a bela senhora, agora bastante descomposta — Apenas os líderes! Pelo amor de Deus, não somos terroristas!

— Mentira! Irmãos! — Clamou ele, voltando-se para todos os líderes do oriente médio — Esta noite é decisiva. Ela tem a arma definitiva, mas não tem mais a vantagem da surpresa! Precisamos nos unificar, mostrar a eles que Jihad é muito mais que destruição, pois senão eles vão mais uma vez deturpar o Islã, e usar a Jihad contra nós! Digam agora, se me apóiam, ou morram aos pés do capitalismo!

Houve silêncio. Um silêncio tenebroso. Toda a mídia esperando a resposta dos líderes orientais. Era uma possível declaração de guerra mundial, o início da Terceira, e talvez última guerra. Thierstein deu um passo à frente, indo em direção aos orientais, quando uma voz se fez ouvir no silêncio:

— Isto tem que acabar aqui. Olho por olho. — E Ludmila tomou um comprimido rubro, incandescente, que desceu por sua garganta expelindo radiação e acionando uma série de nano-geradores, indetectáveis, de energia, inseridos em seu corpo por alguém que, como ela, acreditava que o mundo precisava de novos líderes. Ludmila acreditava, há muito tempo, que não havia outra saída, que a única maneira de acabar com o horror dos atentados, era cometer o maior deles, e liquidar os homens e mulheres que mantinham o mundo como ele foi até aqui. E um momento depois Ludmila parecia ser feita de energia azulada e vibrante, expelindo ondas que iam cada vez mais longe, enquanto a moça sorria… Finalmente não precisaria mais das pílulas.

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Paz… Por muitos e muitos dias, não se ouviu uma única voz, nem o trinar de o único pássaro. Afora o uivo sombrio dos ventos, quase toda a região sudeste do Brasil foi tomada de uma quietude aterrorizante. A ausência total dos sons da vida.

FIM.


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11 years ago

Quietude - Parte 1

Meus caros leitores, partilho hoje com vocês a primeira parte deste conto (a segunda parte posto no próximo sábado), espero que curtam, é uma das primeiras obras criadas quando se reuniam os membros da Real Sociedade dos Escritores Fantasmas.

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Ludmila piscou algumas vezes. Havia usado um prendedor de roupas para fixar a cortina de seu quarto, de modo a luz do sol não entrar logo pela manhã. Mas o ventilador de teto fez a cortina arrancar o pregador. Seu quarto de pensão ficava voltado para o raiar do dia, e raramente ela conseguia dormir além das sete da manhã, quando o clarão ígneo irrompia no cômodo e se derramava sobre ela. Prática e econômica, não alugava um quarto caro, mesmo tendo dinheiro para isso.

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Mhd Ahmed Qanbar havia sonhado novamente com a guerra. Estava exausto quando acordou. Fazia muitos anos que dormia a base de remédios, e não descansava quase nada em seus sonhos. Suas mãos tremiam quando saiu da cama e cambaleou até o banheiro, que estava inundado pela luz do sol tropical que entrava pelo basculante. Ahmed fez sua ablução cuidadosamente. Então, tomando o Corão, voltado para o oriente distante, orou:

— Allahu Akbar. _ Disse, com a voz rouca. Era preciso desligar sua mente dos eventos deste dia fatídico que se iniciava.

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A moça se levantou, e espreguiçou o corpo claro. Era um dia de trabalhos, muitos, mas desejava ter perdido a hora, por isso “esqueceu” de programar o rádio relógio e tentou impedir o sol de nascer. Não adiantou. Mas, por outro lado, era bom estar livre dos umbrais escuros de pesadelos e traumas que era seu sonho desde onze de fevereiro de nove anos atrás, quando... Quando Luana e Ricardo morreram nos atentados a bomba em Madri. Ela tomou seus comprimidos azuis e, um pouco mais calma, relembrou o terror...

Desde que Laden havia perecido finalmente, alcançado pelas garras do grande satã, ele, Mhd Ahmed, havia sido eleito informalmente por todos os outros como um líder. Para muitos, foi o momento em que a causa se perdeu, para outros, o dia em que a luz da razão brilhou nos olhos dos Guerreiros de Alah. O fato é que Mhd Ahmed era um homem ponderado, menos afeto a eloquência dos atentados, e muito mais disposto a negociar. Pelo menos até ontem à noite, quando seu primo, Moqtada Al Qanbar, lhe mostrou os documentos que provavam que o grande satã havia desenvolvido a arma final.

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Ela queria muitos doces para o marido e a filha. Queria uma vida adocicada. Fora uma vida difícil até então, havia chegado a Europa como imigrante ilegal, e trabalhara em muitas coisas, algumas que ela preferia não lembrar, até o dia em que havia fugido de um tarado e pedia carona em uma estrada deserta em Cherez de La Frontera, e esbarrou (ou foi gentilmente levada pela mão do destino) com Ricardo. Fiscal de obras, ele dirigia um fora de estrada e a ajudou. Homem também castigado pela vida, Ricardo era divorciado e tinha receio que a psicose da ex-mulher o alcançasse, então ele vivia de cidade em cidade, percorrendo o país e fazendo manutenção de túneis de fibras óticas para uma grande companhia. Após quatro horas de viagem, e duas vidas partilhadas em uma longa e divertida conversa, sorriram um para o outro, e sabiam, intimamente, que iriam se ver novamente. Viram-se, casaram-se, e tinham uma linda filha, quando as prateleiras da San Ginés vibraram, anunciando a carnificina.

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Mhd Ahmed então percebeu, horrorizado, que finalmente, baseado nos grandes conflitos que incendiavam a Europa hoje, e a participação dos Guerreiros de Alah em combates estratégicos nas ruínas de Israel, o grande satã tinha o apoio da opinião pública necessário para exterminar o Islã com sua arma final. Era preciso detê-los, e a reunião do dia seguinte seria o único dia em que isto poderia acontecer.

— Moqtada, sou ponderador, sabe disso.

— Sim, Ahmed. Sei disso. Mas Alah fez com que estes documentos viessem as suas mãos talvez por isto mesmo. Veja, os malditos aniquilam toda a gente do oriente, e ficam com as terras de nossos ancestrais para si. Depois o que vai ser mais? Este Brasil e sua preciosa água? Todo o mundo? Satã estende suas garras horrendas sobre todos nós, e Alah pôs a decisão do que fazer quanto a isso em suas mãos. Estarão todos juntos esta noite, os líderes de nosso povo e os do ocidente. Amanhã. Não haverá momento melhor, nunca mais.

— Sim... Sim... Desde Madri que não sou forçado a tomar uma decisão tão terrível, primo.

— Como lhe prometi, mantive silêncio sobre Madri até hoje. Mas agora não há como não dizer: será covarde de novo, Ahmed? Vai virar as costas ao sofrimento e ao sangue?

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Foi horrível tentar esquecer o que viu em Madri. Ludmila levou um ano para parar de chorar. Outro ano para evitar o suicídio, e um ano mais ainda para começar a perceber que deveria ter um propósito, deveria andar, ir adiante, viver.

Ela pegou suas câmeras, verificou as conexões com a Internet delas, e guardou seu smartphone na bolsa, junto com um milhão de outras coisas guardadas em uma típica bolsa de mulher. Estava quase pronta, havia conseguido se concentrar nos afazeres do dia, apesar do tormento das lembranças, e tomou seu banho, pôs um vestido elegante e leve, pois era verão no Rio de Janeiro, e arrumou documentos e ferramentas de trabalho. Ela estava no Rio, a princípio, para cobrir a Cúpula do Oriente Médio, que reuniria no Brasil líderes de todos os países daquela região em um encontro para discutir medidas para acabar com a guerrilha na Europa e em Moscou. Ludmila era uma das melhores fotógrafas freelance da Alemanha.

Ela passava batom, quando se viu no espelho do pequeno banheiro. Estava chorando ainda, lágrimas quentes e amargas percorriam seu pálido rosto. Ela parecia agora uma madona. Pegou mais comprimidos azuis e os engoliu avidamente.

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Não demorou muito a tomar a decisão. Não havia outro que pudesse fazer aquilo. Ele, Mhd, estaria bem no meio de tudo, e de lá poderia disparar a bomba. Acordou, orou e meditou durante o dia, e chegando a hora, armou-se do que era necessário, e partiu para a Cúpula. Mhd Ahmed tinha o hábito de ser prático, e de agir sem pestanejar quando necessário. Dentro do carro oficial que o estava levando como representante da Al Qaeda para os diálogos de paz, ele vestiu o colete, verificou se tinha tudo que precisava a mão, respirou fundo e lembrou Madri. Naquela época sua decisão foi outra, ele achava.

Continue na parte 2, clique aqui.

Nota: Allahu Akbar : Deus é Grande (http://pt.wikipedia.org/wiki/Takbir).


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2 years ago
Mais Uma Vez Somos Só Eu E A Cama.

Mais uma vez somos só eu e a cama.

De novo e de novo.

Depois de um dia cansativo, a cabeça bem poderia me dar um descanso, mas não, ela tá latejando, me trazendo pensamentos que eu não queria, me obrigando a ver cenários que não me pertencem.

Queria controlar, poder parar de sentir toda onda de tristeza que me abate sempre que encosto a cabeça no travesseiro. Mas infelizmente não dá. As vezes fico paralisada fecho os olhos e fico gritando mentalmente para ver se consigo dispersar meu subconsciente e provocar um apagão mental só pra conseguir dormir.

Faço terapia as vezes me olhando no espelho falando comigo mesma, esperando que me ouvindo disparar os absurdos eu sinta paz. Tortura, parece tortura, loucura, será um dia passa?!

Algumas vezes escuto tua voz, como se tivesse aqui com a cabeça no ombro sussurrando as palavras que costumava falar quando tínhamos a oportunidade de dormir juntos e isso me assusta, pois parece tão real.

Uma pena que nunca vai saber disso. Na verdade é até bom que não saiba mesmo, não vai te fazer assim como não me faz. A doce ilusão de que poderia ter feito diferente e triste realidade de que você foi pior.

Enfim, mais uma vez estou eu aqui, pronta para ir dormir, brigando com meus pensamentos, tentando calar tua voz e matar sufocado os sentimentos.

Carol, 9/1/23


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